Leh Rodrigues

terça-feira, 18 de abril de 2017

Haicai - Leh Rodrigues

Vozes do Ocaso - Leh Rodrigues

                                       

Vozes Do Ocaso  – Leh Rodrigues

A vida é um conto de idosas
Num domingo de manhã
Sob a sombra de uma eira de azaleias
Sob a brisa de uma velha lembrança
Dos dias de outrora
Estórias da aurora
Ou da última hora de alguém
Que deixou seu nome gravado no tempo
Um nome fortuito
Que de algum modo
Deixou saudades e ressentimentos
Dores e alentos que dormem
Ao sabor dos ventos das gerações desvalidas
Pessoas sem dívidas, sem vida
Que teimam em não ser esquecidas
Na mente senil de anciãs ávidas
Por tagarelar segredos tumulares
São estórias de gente doente
Que o olhar reflete
Como um livro que não mente
Famílias, amigos e vizinhos
Lenha para os contos intermináveis
Nas vozes cansadas de vidas semi-mortas
Que lentamente segue
O mesmo rumo dos personagens
De suas sagas
E que algum dia será também
Um nome a ser lembrado
Durante o ocaso de alguém




Os Irmãos de José - Leh Rodrigues

Os Irmãos de José - Leh Rodrigues

Ele era fruto do desafeto de nossa mãe.
O preferido de nosso pai.
Aquela túnica era única,
O símbolo de amor que nunca possuiríamos.

A marca de poder concedido a um insignificante.
A inveja e o ódio corroíam nossos corações.
A desconfiança de nosso pai fortalecia sua mão.
Seus sonhos o punham acima de nós
E o nosso ódio latente aumentava ainda mais. 

Até que o despeito nos inspirou com a morte
E ganhou a fama de uma transação desumana.
O jogamos numa cisterna infame,
Até conseguirmos uma boa oferta.
Uma caravana implacável
O levou como escravo rumo ao seio de Cã.

Sua bela túnica
Agora manchada com o sangue da mentira,
Será entregue ao nosso pai,
Que lamentará o filho da falecida mãe.
Nosso pai chorou,
Raquel de seu tumulo chorou,

E nós nos sentimos vingados,
Com nossos direitos reivindicados,
Com nossa alma lavada
E nossas mãos manchadas
Com aquele sangue justo
Que vendemos em troca de migalhas.

Estávamos livres daquele tolo sonhador,
Que agora viveria seu pesadelo pessoal junto com nosso pai.
Por décadas sentimos a falsa paz nos acalentando
Como a sombra de uma única palmeira sobre nós,
Enquanto em nosso íntimo
Éramos queimados pelo calor da culpa.

Tudo ia relativamente bem até que um dia,
Uma fome assolou o mundo inteiro
E o sol de justiça nos alcançou,
Com perdão e misericórdia.

Os pretensiosos sonhos daquele nosso irmão eram avisos,
Que a inveja e ódio não nos permitiram enxergar.
No acerto de contas dissemos: "Éramos doze, senhor,
Dez estão diante de vossa majestade,

Um ficou sobre a guarda protetora
De nosso querido pai,
Assim como filhote sobre as sombras de uma asa.
E o outro longe de casa agora jaz morto,
Sob o jugo vil da inexistência"

Então aquela face imponente,
Com voz humilde respondeu:
"Não meus irmãos!
Sou eu o fruto de misericórdia e de fé.
Sou o pão de justiça, o teu resgatado irmão José"...