Só Uma Rua Num Dia De Chuva – Leh Rodrigues
A
chuva fina cai calma e contínua
Uma
mulher velha anda de cabeça baixa
Na
mão a sacola de compra
Com
o peso de sua angústia
Anda
no meio da rua
Dona
do seu lugar.
Vem
um bêbado
Tropeçando
no meio-fio
Equilibrando-se
Na
fragilidade das trêmulas pernas
Come
seu pão molhado
E
enrugado com ar de miséria.
Dentro
do carro o pára-brisa
Está
embaçado
Mesmo
assim
Tenho
uma visão clara desse mundo
Do
qual não pertenço.
No
rádio um som de protesto
Uma
voz negra
Enche
meus ouvidos
E
cala no coração.
Lá
fora o tempo é frio
O
peito queima, há um calor nos olhos
O
suor corre pelo meu corpo
Num
contraste estranho.
Um
sábado no meio
No
bar há um homem vazio,
Com seu copo cheio,
À
espera da mulher vaidosa
De
uma hora vaidosa no cabeleireiro.
Morre
primeiro o pensamento
Renasce
uma palavra
Retorna
a visão daquela rua
Que
se movimenta diante
Dos
meus olhos ardentes.
Agora,
moças deselegantes
Passam
sem parar
Contando
suas vantagens juvenis
Embaixo
do guarda-chuva
Como
se isso
Fosse
tudo o que há na vida.
Os
carros passam
Num
silêncio mórbido
Pelas
ruas incertas
Dessa
pequena cidade incerta
Sem
se preocupar
Com
a passagem do tempo
Sem
pensar na hora certa.
O
pai traz sua filhinha no colo
Protegida
pelos seus braços cansados
Como
se ali o amanhã
Estivesse
garantido
Como
se a chuva
Não
molhasse sua esperança
Um
olhar embriagado
Fita-me
de dentro do bar
Como
se questionasse
A
minha existência naquele lugar.
Minha
própria imagem no retrovisor
Questiona
minha existência
Em
qualquer lugar.
As
casas dessa rua
Não
são imóveis;
Deterioram-se
em seu ambiente
Na
passagem lenta do tempo;
Uma
falsa sensação de segurança
Ocupa
seus cômodos,
Pois
em algum lugar
Todo
dia cai uma fortaleza.
É
uma chuva fina, calma, mas contínua
A
espera é longa
A
vaidade é complexa
A
mente é complexa e viaja,
Pelas
dimensões dessa rua estreita,
Encharcada
com as lágrimas do céu,
Desse
povo brejeiro, que se alimenta,
De
um cigarro,
E um
copo de cerveja gelada.
Uma
mulher trás consigo uma criança,
Vem
resgatar o seu amor do fogo,
Perdido
no bar,
Entre
brumas tóxicas.
Então
outra canção,
Invade
os meus ouvidos,
A
boa e velha canção rock n’ roll
Estranha
nesse reduto
De
música caipira.
Os
carros silenciosos não param
Como
se o dia não tivesse fim,
Pessoas,
guarda-chuvas, vão e vem,
Como
se a chuva não terminasse nunca
Como
se a vida não
tivesse fim
Como
se espera não fosse tão ruim.
Uma
criança atravessa a rua correndo,
Em
direção ao bar;
Um
misto de medo e ansiedade
Como
se o seu futuro,
Não
fosse alcançado,
Correndo
em busca do pai,
Que
volta para o bar.
Vai
perpetuar tal conduta
No
gene de sua geração;
Um
cigarro,
E um
copo de cerveja gelada.
Na
porta sua futura esposa,
Á
espera de seu amor,
Dividido
entre presente e passado;
No
fundo do copo;
Morto
o seu futuro.
Do
corpo entorpecido,
Descarrega
o resíduo de sua miséria
Em
algum muro dessa rua
Já
molhada.
Vai
levar o cheiro,
Para
sua cama,
E
aquela que o ama vai chorar,
Como
chora o céu sobre essa rua,
Uma
chuva fina, calma, mas contínua.
Na
vitrine de uma loja
A
ilusão de um rosto bonito
Vendendo
beleza
Um
casal de namorado,
Andam
abraçados
Na
espera de um dia de sol
Como
se a paixão
Não
apagasse em tempo ruim.
Um
ciclista passa despreocupado,
Como
se não chovesse,
Como
se a luz do sol
Fosse
aparecer a qualquer momento.
Equilibra-se
nas rodas da modéstia,
Debaixo
dessa rua molhada
Encharcada
pela pretensão
Do
meu olhar.
A
porta do carro se abre
Um rosto
vaidoso
Num
cabelo de luz,
Ilumina
o interior;
Dou
partida e sigo,
Entre
os carros silenciosos,
Deixando
tudo para trás:
A
cidade, aquela gente brejeira.
Era
só uma rua,
Num
dia de chuva, fina, calma, mas contínua....