Leh Rodrigues

sábado, 20 de maio de 2017

Só Uma Rua Num Dia de Chuva - Leh Rodrigues



                                    Só Uma Rua Num Dia De Chuva – Leh Rodrigues


A chuva fina cai calma e contínua
Uma mulher velha anda de cabeça baixa
Na mão a sacola de compra
Com o peso de sua angústia
Anda no meio da rua
Dona do seu lugar.

Vem um bêbado
Tropeçando no meio-fio
Equilibrando-se
Na fragilidade das trêmulas pernas
Come seu pão molhado
E enrugado com ar de miséria.

Dentro do carro o pára-brisa
Está embaçado
Mesmo assim
Tenho uma visão clara desse mundo
Do qual não pertenço.

No rádio um som de protesto
Uma voz negra
Enche meus ouvidos
E cala no coração.
Lá fora o tempo é frio
O peito queima, há um calor nos olhos
O suor corre pelo meu corpo
Num contraste estranho.

Um sábado no meio
No bar há um homem vazio, 
Com seu copo cheio,
À espera da mulher vaidosa
De uma hora vaidosa no cabeleireiro.

Morre primeiro o pensamento
Renasce uma palavra
Retorna a visão daquela rua
Que se movimenta diante
Dos meus olhos ardentes.

Agora, moças deselegantes
Passam sem parar
Contando suas vantagens juvenis
Embaixo do guarda-chuva
Como se isso
Fosse tudo o que há na vida.

Os carros passam 
Num silêncio mórbido
Pelas ruas incertas
Dessa pequena cidade incerta
Sem se preocupar
Com a passagem do tempo
Sem pensar na hora certa.

O pai traz sua filhinha no colo
Protegida pelos seus braços cansados
Como se ali o amanhã
Estivesse garantido
Como se a chuva
Não molhasse sua esperança

Um olhar embriagado
Fita-me de dentro do bar
Como se questionasse
A minha existência naquele lugar.
Minha própria imagem no retrovisor
Questiona minha existência
Em qualquer lugar.

As casas dessa rua
Não são imóveis;
Deterioram-se em seu ambiente
Na passagem lenta do tempo;
Uma falsa sensação de segurança
Ocupa seus cômodos,
Pois em algum lugar
Todo dia cai uma fortaleza.
É uma chuva fina, calma, mas contínua

A espera é longa
A vaidade é complexa
A mente é complexa e viaja,
Pelas dimensões dessa rua estreita,
Encharcada com as lágrimas do céu,
Desse povo brejeiro, que se alimenta,
De um cigarro,
E um copo de cerveja gelada.

Uma mulher trás consigo uma criança,
Vem resgatar o seu amor do fogo,
Perdido no bar,
Entre brumas tóxicas.
Então outra canção,  
Invade os meus ouvidos,
A boa e velha canção rock n’ roll
Estranha nesse reduto
De música caipira.

Os carros silenciosos não param
Como se o dia não tivesse fim,
Pessoas, guarda-chuvas, vão e vem,
Como se a chuva não terminasse nunca
Como se a vida não tivesse fim
Como se espera não fosse tão ruim.

Uma criança atravessa a rua correndo,
Em direção ao bar;
Um misto de medo e ansiedade
Como se o seu futuro,
Não fosse alcançado,
Correndo em busca do pai,
Que volta para o bar.
Vai perpetuar tal conduta
No gene de sua geração;
Um cigarro,
E um copo de cerveja gelada.

Na porta sua futura esposa,
Á espera de seu amor,
Dividido entre presente e passado;
No fundo do copo;
Morto o seu futuro.
Do corpo entorpecido,
Descarrega o resíduo de sua miséria
Em algum muro dessa rua
Já molhada.

Vai levar o cheiro,
Para sua cama,
E aquela que o ama vai chorar,
Como chora o céu sobre essa rua,
Uma chuva fina, calma, mas contínua.

Na vitrine de uma loja
A ilusão de um rosto bonito
Vendendo beleza
Um casal de namorado,
Andam abraçados
Na espera de um dia de sol
Como se a paixão
Não apagasse em tempo ruim.

Um ciclista passa despreocupado,
Como se não chovesse,
Como se a luz do sol
Fosse aparecer a qualquer momento.
Equilibra-se nas rodas da modéstia,
Debaixo dessa rua molhada
Encharcada pela pretensão
Do meu olhar.

A porta do carro se abre
Um rosto vaidoso
Num cabelo de luz,
Ilumina o interior;
Dou partida e sigo,
Entre os carros silenciosos,
Deixando tudo para trás:
A cidade, aquela gente brejeira.
Era só uma rua,
Num dia de chuva, fina, calma, mas contínua....















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