Leh Rodrigues

sexta-feira, 24 de março de 2017

A Ladeira - Leh Rodrigues

                                                 

A Ladeira – Hudson Alexandre (Leh Rodrigues)

Estou aqui entre pensamentos incertos e uma ladeira implacável
Um bar escuro embriaga a vida,
No ir e vir de pessoas perdidas em busca de sentido e direção.
E cá estou corpo e coração.
Moças deselegantes conversam despretensões diárias.
Velhos sonhadores se debatem em filosofias domésticas.
E eu invisível acompanho tudo, sem muita relevância nem aprendizado.
Dia após dia o mesmo vai e vem de carros e passos apressados.
E aquele bar escuro, reduto de homens em busca de muletas,
Buscando sufocar a agonia de mais um dia que se vai
Não há quinto dia nem salário que baste ou
Dê sentido nesses corações encerrados em quatro paredes,
Enterrados a sete palmos de suas ansiedades e medos.
Descem pela vida como um caminhão sem freio,
Por essa ladeira cruel que margeia o tempo sem fim.
O céu azul está salpicado de chumbo,
Parcialmente encoberto de árvores sedentas de água.
E as casas dessa ladeira escondem as angústias cotidianas,
De doenças cotidianas, de mentes balzaquianas.
O sol é tímido, mas arde na pele.
As aves se perdem no ar, como morcego sem radar,
Como alguém que perdeu o instinto materno,
Como aventureiro sem bússola.
Na ladeira, a subida é difícil!
As dores do corpo realçam,
O semblante de um dia duro e exaustivo de uma mulher
E quando ela entra pelo portão do seu refúgio,
Começa a segunda parte de uma rotina viciante.
E a vida gira como roda gigante,
Mas não como a mesma graça e leveza de suas lembranças de menina.
Mas é preciso acordar do sonho, das saudades.
O passado é só uma bobagem nostálgica,
Que passa inconsequente pela sua mente,
E mente, mente até que ela se convence que realmente passou pra nunca mais.
O dia é quente,
Talvez trinta e cinco graus de um mormaço que perturba a tez.
E o bêbado sentado na calçada,
Com a cabeça baixa e zonza pensa em como seria a vida se ele não estivesse ali, Naquele momento.
Seus trejeitos afeminados e alegres,
Como os gestos de um louco suspeitam os transeuntes,
Que o fitam num misto de medo e pena.
E agora ele se levanta e sobe a ladeira no seu passo trôpego e lento.
Vai subindo e sumindo, enquanto a esquina o engole todo,
Do mesmo jeito que ele engoliu o conteúdo inebriante de seu copo de angústia.
Há no pé da ladeira um córrego ladeado de pequenos arbustos,
Como crianças ladeiam ambiciosamente os adultos.
O fluxo de sua corrente impura rola devagar,
Enquanto vidas vadias olham para o nada,
Para os carros que descem a ladeira sem pretensões de destino.
Rodas deslizam ladeira abaixo,
No mesmo tempo que passos tristes caminham devagar,
Tentando frear o tempo refletido nas marcas de um dia sem brilho,
Nas velozes asas da vida.
No dia seguinte estarei no lado inverso da ladeira.
Encimado no orgulho e soberbia alegre,
De quem parece não ter uma rotina maçante.
Uma pomba voa com o voo da paz,
Sob uma inquietação adolescente que paira no ar.
Sinais e setas indicam o vai e vem de caminhos sem volta.
O vento se fez perceber,
Pelos cabelos que perturbam meu olhar,
Pelo balanço dos galhos,
Pela danças das nuvens que em figuras imaginárias enganam meus olhos.
E eu continuo invisível a esperar o ônibus,
Que irá me tirar dessas realidades alheias,
E irá me levar para casa, onde alguém espera ansiosa a minha volta,
Para me abraçar, me beijar e perguntar como foi o meu dia.
E eu distante dessas sagas cotidianas,
Continuarei a imaginar essas pessoas e,
Carros passando displicentemente por essa ladeira,
Que eu chamo de vida.





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