Leh Rodrigues

quarta-feira, 29 de março de 2017

Os Sinos do Meio-Dia - Leh Rodrigues



Os Sinos do Meio-Dia – Leh Rodrigues

Os sinos dobram ao meio-dia,
O som vem da catedral das luzes,
Que nunca brilham nessa escuridão injusta.
Pequenas e tímidas flores vencem o asfalto,
Que de assalto vence minha indiferença.
Vitrines refletem os meus olhos,
E a luz nos meus olhos reflete a verdade no meu corpo.
Minha mente é fria, mas minha alma queima como fogo.
Vejo pelos espelhos os meus passos cansados de tanto pensar,
De tanto passar por lugares e olhos alheios aos meus,
Quero ter poder sobre meus passos,
Ter força para vencer a mim mesmo.
Os sinos alertam-me para uma novo tempo,
Um momento a qual não pertenço,
Onde os sinais são apenas de lembranças de um tempo de a muito.
Assim como aquelas pequenas flores vencem o piche quente,
Eu sigo nesse calor do meio-dia.
Os sinos da catedral são avisos de que o meu dia está a caminho da noite.
Sinto a sombra das pessoas,
A me olhar com a indiferença de um cão que olha para o nada.
Criaturas saem da galeria a procura de comida,
Em busca da vida,
Impõem sua asquerosa existência aos transeuntes que torcem o nariz,
Como se o mundo subterrâneo não fosse presente em suas vidas fúteis,
Em suas mentes inúteis.
Água suja desce o meio-fio levando a subsistência aos seres abjetos do esgoto.
Os sinos tocam e me traz de volta o sentido.
Gosto da minha imagem refletida nas vitrines das lojas.
A vaidade me sorri acariciando meu ego machucado.
Vejo olhos famintos de lobos velhos mirando presas incautas e desatentas.
Carne fresca a ser consumida com os dentes da perversidade.
Crianças caminham de mãos dadas com a arrogância,
Sendo conduzidas ao reduto do tempo perdido.
Na praça o dorso opaco estático da proeminência local,
Enfrenta um obelisco,
Pouso de aves vadias e perdidas no aflorado instinto de busca pela sobrevivência.
Almas que migram da ilusão para o real,
Que mutilam a moral em nome da subsistência.
Comem no chão as migalhas da dignidade de alguém,
Que passou despreocupadamente pela praça da agonia,
Tão fria e voraz quanto um beco escuro e abandonado.
Passo pelo mercado central,
Um cheiro fétido domina o ar, odor de maresias, de algo podre no ar.
Em frente a uma escola gritos infantis,
Se misturam sutis ao barulho das buzinas.
Nesse momento o tempo para na minha mente,
E me sinto como um demente encarcerado,
Nas grades de um outro coração que não é o meu.
Volto ao passado,
Como se volta a qualquer esquina sombria de uma avenida.
Tropeço no alto relevo de um quadro mental,
Onde o artista não vê beleza na sua obra,
Como se minha mente fosse uma pintura surrealista,
Um risco incompreensivelmente tolo de algo a ser escrito.
Os sinos dobram ao meio-dia,
Vou passar desse estado de êxtase sombrio,
E tentar sonhar com algo bom,
Afinal os sinos que ouço nunca tocam o céu.
O ressoar metálico vindo daquele templo,
Anuncia que a noite avança em pleno meio-dia.

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